Westvleteren: as melhores cervejas do mundo

Um guia para visitar a Abadia Saint-Sixtus, casa das cervejas Westvleteren, consideradas por muitos, as melhores cervejas do mundo!

Olá cervejeiros!

Depois de um ano de Maria Cevada (e pensar que já são três ;D), eu e o Anderson Senne fizemos as malas e fomos
em busca de aventuras cervejeiras pela Europa. O que vivemos por lá você vai
conferir em matérias e dicas bacanas para quem curte turismo cervejeiro e
claro, cerveja de verdade.
Para chegar chutando a porta, vamos falar sobre a visita que
fizemos à Abadia de Saint-Sixtus
, o mosteiro trapista mais venerado devido às
raras cervejas Westvleteren, consideradas por muitos especialistas as melhores
cervejas do mundo.
Vamos nessa!
As cervejas trapistas
Imagem BeerShop

Antes de ler sobre a matéria, uma introdução é válida: trapista
não é um estilo de cerveja. As cervejas trapistas são cervejas feitas de acordo
com as premissas religiosas dos monges beneditinos da Ordem Cisterciense da
Estrita Observância ou, de forma mais simples, Ordem Trapista
. Ao proferir os
votos de obediência, pobreza e castidade, o monge trapista passa a dividir seu
tempo entre orações, obrigações religiosas e afazeres que sustentem o mosteiro –
que será seu lar até o fim da vida.

Os monges podem produzir itens diversos para comercializar e
garantir o sustento do mosteiro: pão, queijo, doces, carnes e até mesmo…
Cerveja! Essas cervejas precisam ser fabricadas pelos monges, dentro do
mosteiro (importante!), e sua proposta deve ser filantrópica: o dinheiro que
não for usado para sustento do mosteiro, deve ser usado para causas sociais.


Atendendo a esses requisitos, as cervejas podem enfim exibir com orgulho o selo “Authentic Trappist Product” em seus rótulos.
Atualmente existem apenas 12 mosteiros no mundo que são
reconhecidos como fabricantes de cervejas trapistas:
La Trappe e Zundert
(ambos na Holanda), Achel, Westmalle, Chimay, Orval, Rochefort e Saint-Sixtus (todos na Bélgica),
Spencer (EUA), Stift Engelszell (Áustria), Mont des Cats (França) e Tre Fontane (Itália).
Planejando a sua
viagem


Embora a visita aos mosteiros trapistas seja um roteiro dos
sonhos para todo bom cervejeiro, saiba que esses locais nem sempre são de fácil
acesso. Se um dia você decidir dar uma volta pela Holanda e pela Bélgica com
essa finalidade, prepare-se para pegar muita estrada, muitos trens e ficar hospedado
em locais que você nunca imaginou. Antes de falarmos em cerveja, lembre que os
mosteiros são locais religiosos, construídos em geral mais afastados dos
grandes centros e, embora contem com seu próprio bar ou restaurante para vender
suas cervejas, nem sempre as cidades que os abrigam possuem a mesma infraestrutura
para levar você até lá.
É o caso de Poperinge.

Poperinge é uma cidadezinha no norte da Bélgica. Seguindo
roteiros mais tradicionais, a chegada ao local é mais fácil por Bruges (70km).
A partir do centro de Poperinge são mais 8km até chegar ao local que abriga o
mosteiro, a cervejaria e o restaurante In de Vrede, o oficial da Saint-Sixtus e
único que serve (ou assim deveria ser) as três cervejas Westvleteren: a Westvleteren Blond (uma
belgian pale ale), a Westvleteren VIII (a dubbel) e a Westvleteren XII (a
quadrupel).

A visita ao mosteiro é totalmente proibida e, embora não
tenha relatos de quem tenha conseguido essa façanha, segundo moradores de
Poperinge, a visitação à cervejaria é permitida para grupos (às vezes, muito às
vezes). De qualquer forma, para tomar as Westvleteren basta que você coordene a
sua visita ao calendário do restaurante do mosteiro. É EXTREMAMENTE importante consultar o site antes de planejar a sua
viagem, pois o calendário é bem restrito e sujeito a feriados religiosos. Para
você ter uma ideia:

– Eles não abrem às quintas e sextas
– Mas em julho e agosto eles só não abrem às sextas
– Esse ano eles fecharão durante metade de setembro… [?!]
– Eles não abrem na quaresma e outros feriados religiosos.

Calendário do In de Vrede, seu melhor amigo

Pois então consulte com carinho o calendário
deles, pois descobri o fato “quaresma” há um mês da viagem, o que fez com que os 70km de
Bruges para a Sint-Sixtus se tornassem o trava-língua Paris-Poperinge: três
viagens de trem e três horas de viagem, amém!

Foi assim que acordamos, escovamos os dentes e fizemos o
lindo trecho cata-corno Paris-Lilly Europe-atravessa-ponte-andando-Lilly
Flanders-Kortrijk-Poperinge.

Como chegar

Endereço: Donkerstraat 12, 8640 – Bélgica

Melhor maneira:
de carro, por Bruges.

Melhor data: consulte o
calendário aqui

Horário:
a partir das 10h, fecha por volta das 17h.

Não precisa reservar


De trem:  Se você
decidir arriscar algumas baldeações de trem, saiba que o transporte de
Poperinge é praticamente inexistente. Ao chegarmos, encontramos uma lista com
meia dúzia de linhas e apenas uma delas passava próxima (1,5km do mosteiro).
Alerto que não vi esse ônibus circulando e, de qualquer forma, ele possui
apenas 4 horários de viagem por dia.

Para vencer os aproximados 8km de distância você pode alugar
uma bicicleta em dois locais: TOMAC C, uma loja de bicicletas próxima à
catedral ou no Hotel Belfort, na praça central. O valor pode variar entre 10-25
euros.


Táxi: contamos com a ajuda do dono de um bar próximo à
estação de trem de Poperinge para ligar para uma companhia local e descobrimos
que os 8km custariam 45 euros. Ai! Pelo menos fica como informação aqui.

Ônibus 24: apenas 4 horários saindo da estação de Poperinge (não vi circulando)

A visita
(Er… Eu não sei andar de bicicleta).

Decidimos encarar a viagem à pé na companhia do GPS do celular. Esse detalhe foi bastante importante, pois o trecho demora 1h20 e só há placas
indicando o mosteiro já bem próximo do local. O caminho corta algumas
fazendas locais e, na época certa, você pode ver as plantações de lúpulo da
própria Saint-Sixtus… E em todas as outras épocas você vai ver mais ou menos
isso:

Quando as primeiras placas aparecem é a maior emoção!
A visão do mosteiro foi quase como um prêmio depois da
jornada.

Não é qualquer um que encara esse trecho no sol com bom humor! Bate aqui, Anderson o/
Todo o esforço serviu para que o primeiro gole das Westvleteren fosse ainda
mais valorizado.

O restaurante e as cervejas


O restaurante é bem iluminado pela luz do dia e o ambiente é
familiar. É possível ainda degustar as cervejas e aperitivos no jardim ao ar
livre. O atendimento é bom e objetivo, uma característica do norte da Bélgica
que pode ser confundida com uma certa austeridade. Bobagem. Fomos bem recebidos e pedimos de cara a Westvleteren Blond e a Westvleteren 8.

É realmente um momento único: provar as Westvleteren pede um
momento de silêncio e concentração. Depois da expectativa desejamos sentir
todas as nuances de cada rótulo, com calma e dedicação. Se você chegou até o
fim do mundo de Poperinge, é um momento de parar e repassar todo o seu
percurso cervejeiro até então. Você está em um lugar mágico!

Westvleteren Blond (Belgian Pale Ale 5,8%): é a cerveja mais
leve deles, foi a melhor que já tomei desse estilo. No aroma é levemente cítrica,
corpo levemente encorpado, amarelo claro. No sabor ela é levemente frutada com
um final equilibrado. O amargor está presente é o cítrico que se encarrega de
equilibrar, o lúpulo não é a estrela principal aqui. É uma grande cerveja. Se
você passar por lá e levar uma caixa, saiba que não é recomendado guardar a
blond por muito tempo, ela pode perder as características frutadas.

Westvleteren VIII (Belgian Dubbel 8%): que a 3ª Guerra
Mundial não estoure nos comentários, mas foi a minha preferida. Seu equilíbrio
é excepcional, uma cerveja perigosa que não nos deixa perceber seus 8% de
álcool em meio a um doce caramelo. No aroma prevalece o frutado. “É como beber
água…” – uma frase estranha para uma cerveja complexa, mas que define a
questão do equilíbrio da Westvleteren 8.

XII

Westvleteren XII (Belgian Quadrupel 10,2%): Hora de provar
as famosas! O primeiro impacto é a espuma consistente que deixa a cerveja extremamente
atraente. Ela é persistente. No aroma e no sabor o álcool está presente de
forma moderada. É uma cerveja forte que traz uma série de nuances de especiarias
e um levíssimo floral. Uma cerveja lindíssima e poderosa para deixar você com
bochechas de calopsita.

Depois dessa explosão sensorial que são as Westvleterens,
apreciamos uns aperitivos engraçados. Uma gelatina de bife ou um bife gelatina
e um gelatina-patê… Enfim, uma delícia.
Boterham met Bolle Beef (pão com bife em gelatina) e Boterham met abdijpaté (pão com patê de abadia)
Do lado, Queijo de Abadia

É a melhor do mundo?

Se você ama cerveja americana superlupulada, não. Se você não curte belga, não. Se você só curte cerveja ácida, não.

A melhor cerveja do mundo simplesmente não existe. É impossível generalizar algo tão subjetivo. São sim, cervejas produzidas com extrema competência, complexas e equilibradas, cheias de elementos surpreendentes no decorrer dos goles e no retrogosto. São também superiores a muitos rótulos que já tomei do mesmo estilo e incluo na lista alguns trapistas.

A magia das Westvleteren é justamente esse mistério em torno dos rótulos, as limitações, as restrições. São cervejas que não querem ser descobertas. Essa semana, tomando uma das garrafinhas que trouxemos de lá, o Anderson comentou: “Pensar na dificuldade para conseguir essa cerveja deixa o sabor mais gostoso“. E é bem isso, a experiência de ir até a micro-cidade-longe-de-tudo de Poperinge, caminhar, andar de bicicleta, ir de carro e não ver placas, lutar para conciliar a viagem com os dias em que o restaurante está aberto… As melhores cervejas do mundo são mais gostosas, porque a experiência em torno delas é a melhor do mundo para um cervejeiro. Um grande desafio com uma recompensa incrível no final.

Pode levar para casa? Alguns esclarecimentos

Há um tempo li que levar as Westvleteren para casa era
tarefa árdua: era preciso agendar a retirada das cervejas, ter um telefone
belga, ir lá de carro e se você perdesse a hora iria para a lista negra dos
monges que nunca mais venderiam para você.

Bem, existe uma lojinha dentro do restaurante onde você pode
comprar copos e os sixpacks dos três estilos. A venda é limitada por cliente. Vale lembrar que as
Westvleteren não têm rótulo, apenas as tampinhas identificam as garrafas. Isso
complica um pouco se sua mala passar por um check na Alfândega.

[ATUALIZAÇÃO: a quantidade dos lotes de six-packs são variáveis. É possível que no dia da sua visita você consiga um pack de XII até. No entanto, é possível que no dia da sua visita não haja sixpacks disponíveis. [!] Dica do André Vieira, pelos comentários ]

*ou você pode perder a hora no restaurante e ter que correr
os 8km de volta até a estação de trem e ficar desesperado porque não vai dar
tempo, pedir carona, o carro parar, conhecer um colombiano e uma senhora
simpáticos, virar amigo deles em 10 minutos, convidar a galera para passar um
tempo no Brasil e ganhar duas das Westvleteren 12 que eles traziam na mala
depois de encomendar com os monges. Foi o nosso caso. ;D

* infelizmente existe um mercado negro das cervejas e você encontrará algumas Westvleterens em lojas de souvenir pela Bélgica. No restaurante oficial as cervejas custam 3,70 (blonde) / 4,30 (VIII) / €4,90. Nessas lojas, as cervejas são vendidas por um preço que varia entre 9 e 12 euros.Os exemplares que chegam ao Brasil são vendidos a no mínimo R$100.





Se você curtiu a ideia de viajar e conhecer mais sobre as cervejas trapistas, a Maria Cevada tem uma dica para você. O Science of Beer está preparando um projeto especial chamado Viagens de Estudos Cervejeiros que irá explorar a Bélgica e uma série de outros lugares na Alemanha e na República Tcheca. Você vai viajar com um pessoal que ama cerveja tanto quanto você, acompanhado de sommeliers reconhecidos no mercado e nem vai precisar se preocupar em organizar hotéis, passagens e deslocamentos. Curtiu? Então mande um email para viagemcervejeira@scienceofbeer.com.br falando que você viu essa dica na Maria Cevada e saiba mais!  A viagem acontecerá em setembro de 2017, passando inclusive pela Oktoberfest – o maior evento cervejeiro do mundo.

13 comentários para “Westvleteren: as melhores cervejas do mundo

  • Otimo texto e dicas, parabéns! Só umas considerações para não confundir o pessoal: Como vocês falaram, eles não abrem às quintas e sextas, mas em julho e agosto eles só NÃO abrem às sextas (ou seja, somente em julho e agosto que fica aberto de quinta, já de sexta não abre nunca). Aquele calendario deles é confuso mesmo, e deu uma melhorada, antes era ainda pior. Quando fui la eu percebi um dia antes, já em Bruges, que estava indo num dia que estaria fechado, e tive que mudar os planos em cima da hora. Sorte que deu certo!
    Ah, sobre os packs vendidos no In De Vrede, varia conforme a demanda, não são sempre das mesmas cervejas. Quando fui só tinha 6-pack da Westv XII, numa outra vez um amigo trouxe 4-pack que vinham todas elas, e corre o risco de, no dia que voce visitar, não ter mais nada! Daí é voltar de mão abanando :/
    Mais uma vez parabens!

    http://beeraddiction.com.br/

  • RAFAEL MOREIRA says:

    Excelente relato! Fiz esse passeio ano passado com alguns amigos e jamais esquecerei esse dia. Fizemos um day trip desde Bruxelas. Uma outra dica que poderia deixar para vocês é a possibilidade de agendamento com o transporte público local, o Bellbus. Basta ligar para o nº 0032-59565256, com duas horas de antecedência e falar o horário de sua chegada em Poperinge e o destino (Sint Sixtus Abbay). Como a viagem de Bruxelas para Poperinge dura 1h50, ligamos quando estávamos saindo do hotel. Na nossa chegada estava lá o Micro ônibus nos esperando. A passagem custa 2 Euros por trecho. Na chegada à Abadia voc|ê combina com o Motorista o horário de retorno e não tem erro. No horário combinado o ônibus passa no local combinado. Ainda deu tempo de tomar a saideira no Hotel de La Paix (ótimo bar em Poperinge) antes do nosso retorno a Bruxelas. Deu saudade!!

  • Oi Amanda! To amando os posts de vocês, sou da área dos vinhos pois sou sommelier e trabalho com importação também, mas tenho me aprofundado bastante no mundo da cervejas especiais, e lido bastante coisa, e é um mundo realmente apaixonante! Seu blog está o máximo, parabéns! Estou desenvolvendo um blog sobre enogastronomia, é realmente um mundo incrível. Beijos!

  • Olá,
    Adorei as dicas. Anotei as sugestões, pois iremos pra lá em setembro e no dia 08 pretendemos degustar as famosas Westvleteren Blond, Westvleteren VIII e a Westvleteren XII.

  • Ótimo texto.. Estou programando as minhas para abril do ano que vem e ainda nao tem agenda. Na semana santa eles fecham mais dias, contudo ano que vem a semana santa é em março.. Apelar para não ter problemas.

  • Marcelo Guimarães says:

    Boa tarde. Ótimo texto. A viagem e a visita parecem incríveis mesmo. Farei uma viagem no próximo mês para Bruges. Tenho a intensão de visitar a Abadia. A questão é que ficarei apenas 2 dias na cidade, e o bar que fica ao lado da Abadia estará fechado nessa época. Estou tentando ligar para a Sint Sixtus, mas só dá ocupado. Alguém já teve essa experiência? De reservar e pegar a cerveja na própria abadia? Obrigado.

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